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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 28 de março de 2024
 

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Mensagem: MENINOS DE RUA
José Prates

A crônica de Ruth Tupinambás abordando o assunto “meninos de rua”, como problema em Montes Claros, trata a questão de maneira poética, porque Ruth é poesia e poesia existe em tudo que ela escreve, mesmo que seja sobre um velório. Acontece que esse problema que se agravou no decorrer dos anos, atingiu a todas as grandes cidades e Montes Claros não podia fugir dele, porque é uma grande cidade. É um problema social que vem de muito longe, escudado no desinteresse e omissão sociais, sempre na espera da iniciativa do outro, que nunca chega. As prefeituras esperam o Estado e o Estado espera a União e por aí vai. Que é um problema social, todo mundo sabe. Mas preferem tratá-lo como caso de polícia. No seu trabalho de Pesquisa Psicanálise e Sociedade, apresentado no II Congresso Ibero americano de Psicologia, Madrid, 1998, a psicóloga Miriam Debieux Rosa da USP, disse o seguinte: “A intenção da pesquisa é compreender como a constituição subjetiva de crianças e adolescentes que vivem na rua, os chamados meninos de rua, articula-se ao laço social, a partir da especificidade da escuta psicanalítica de crianças e adolescentes. Um processo de desqualificação e desvalorização social da família destes jovens propicia a ruptura destes com a família e escola, levando-os para a rua. Tal ruptura faz surgir o discurso social, que substitui o discurso dos pais, de onde poderiam extrair os significantes de sua filiação e sexuação, e destitui estes meninos do lugar de crianças e adolescentes, justifica o abandono, o descaso e o medo, e oferece-lhes como única possibilidade de nomeação a identidade de delinqüente.” É o processo de desqualificação da família desses jovens, oriundo do preconceito social, substituindo o discurso dos pais, que os leva ao abandono e conseqüente à marginalização da lei.
Revendo a história, ou pesquisando a respeito, podemos verificar que esse processo que atinge parte da juventude de hoje, vem desde a época do Brasil Colônia. Em seu livro “Liberdade Assistida” (1994) o historiador M. L. Teixeira inclui nesta categoria: órfãos que vieram de Portugal para auxiliar os jesuítas na educação e catequese dos órfãos da terra (crianças mestiças) e das crianças enjeitadas, no século XVII; crianças trabalhadoras e filhos da Lei do Ventre Livre (1871), separados das mães; crianças que viviam nas ruas das cidades em processo de urbanização, na virada do século; crianças institucionalizadas e crianças exploradas no trabalho infantil, no início deste século. O agravante, de tempos a esta parte, foi o desinteresse das autoridades, criado pela falta de estímulo da sociedade, no preparo desses jovens para o mercado de trabalho cada vez mais exigente, o que lhes deixou fora da massa qualificada de mão de obra. Desempregado por desqualificação, sem esperança e sem ambição, a rua, com a visão de liberdade, é o lugar ideal para morar.
A situação que começou tímida e até certo ponto, do interesse de uns poucos exploradores de mão de obra, foi aumentando com o passar do tempo e mais elementos incorporando-se à massa existente. O silêncio das autoridades era o mesmo de hoje. Sem o interesse das autoridades que já se fazia sentir no final do século XVIII, coube às instituições não governamentais, como confrarias, irmandades e santas casas de misericórdia, o cuidado destas crianças. Cuidados precários, não propriamente por falta de interesse, mas por falta de condições material e financeira, principalmente pela ausência do poder público. Nos anos 20, do século passado, pressionado pelas circunstâncias, o Estado responsabiliza-se socialmente pela questão da infância, visando protegê-la. Cria o termo “menor” na intenção de proteger a criança, colocando-a sob a tutela do Estado, quando de menor idade. Com isso cria um mecanismo de impunidade de que se aproveitam os criminosos para usarem “menores” em suas ações, o que acontece até hoje.
Na década de 30 foi tentada a solução através de internatos, o que não surtiu efeito devido ao volume de menores que chegavam às ruas e o numero limitado de albergues; Em 1948 a preocupação com a criança ganha dimensão internacional, quando é criada a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Em 1964, cria-se a FUNABEM para possibilitar uma coordenação central e uma fiscalização sobre as entidades. Em 1990, com o objetivo de modificar a política do menor, é criado o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo seus direitos, que não atinge parte da população, especialmente os meninos de rua e crianças pobres. O problema que cresce a cada dia nas grandes cidades, não é propriamente o que se pode chamar de crianças de rua. O que existe hoje é moradores de rua, grupos compostos de adultos e crianças, a maioria de adultos. É um problema grave que atinge a toda sociedade porque o chamado crime organizado tem nessas pessoas os seus serviçais obedientes e, até mesmo, o braço armado. O pior é que não se vê solução, nem a curto, médio ou longo prazo, porque não é um problema exclusivo da sociedade ou dos governantes, mas a irresponsabilidade dos que geram filhos sabendo da falta de condições para mantê-los. É morador de rua, gerando morador de rua, que já nasce na rua. O problema é sério porque se agrava a cada dia e ninguém vê uma solução imediata ou, pelo menos, um atenuante. O que pode e deve ser feito para estagnar o processo de crescimento, é o Estado assumir essas crianças que nascem desassistidas, tirando-as das ruas, onde, fatalmente, cresceriam. É um problema social que deve ser tratado como tal, buscando a solução dentro de um plano sociológico e não policial.

(José Prates é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Como tal percorreu os cinco continentes em 20 anos embarcado. Residiu em Montes Claros de 1945 a 1958 quando foi removido para o Rio de Janeiro onde reside com a familia. É funcionário ativo da Vale do Rio Doce, estando atualmente cedido ao Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante, onde é um dos diretores)

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