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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 6 de outubro de 2024


Virginia de Paula    [email protected]
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Por Virginia de Paula - 1/7/2012 00:35:37
Ave Maria!
Virginia A. de Paula
Outubro de 2004. Horário de verão. Enquanto jogamos conversa fora no alpendre, alguém se queixa. “Quem é que agüenta um horário assim? Quase sete horas e ainda tem sol.” Então, Virgílio nos surpreende dizendo: “ Esse foi o nosso horário normal por muitos anos.” Como é mesmo? Ele explica: “Até 1960 o horário era igual ao de verão! Mudou na inauguração de Brasília.” Verdade? Como então explicar a letra da “Ave Maria” de Erotides de Campos? “Cai à tarde tristonha e serena, em macio e suave langor.” Claro está que, “quando o sino saudoso murmura badaladas da Ave Maria”, a tarde está caindo. Como explicar os fins de tarde ouvindo a Hora do Ângelus em casa de minha tia Maria com o sol descendo no horizonte? Não passa por minha cabeça o óbvio: o mundo gira! A duração da claridade varia de estação para estação. Só neste outono dou-me conta que quando o relógio marca 18 horas já é noite quase fechada. Então é isso: a música, com certeza, foi composta nessa estação! E aquela tarde especial da qual recordo em detalhes? Agora já sei: era maio!
Eis meu ritual vespertino da primeira infância: Descer a Simeão Ribeiro com Joana por volta das quatro horas, em direção ao Jardim da Matriz. Ali brincar com uma menininha de nome Celina. Subir no coreto, cantar, esconder o ‘Chicotinho queimado”, correr por entre os canteiros. Então, chega a hora de subir a Dr. Veloso até a casa de Tia Maria: uma casa sempre perfumada com o aroma de salgadinhos saindo do forno, pois a prima Ana recebe encomendas para festas. No ar, o som da Rádio Nacional. Às 18 horas minha tia muda para a Rádio Tupi a fim de ouvir “A Hora do Ângelus” na voz inconfundível de Júlio Louzada, ao som da “Ave Maria” de Guinoud. Titia acende uma vela entre o rádio e o “Bastião”, uma peça de cerâmica. Fica ali em silencio profundo. Todos fazem o mesmo, eu também, consciente da importância do momento: a hora da anunciação. Terminada a oração, titia volta para a Rádio Nacional a tempo de ouvir “Jerônimo, o Herói do Sertão”. Boa hora para desenhar um pouco no caderno de capa verde que existe para ser rabiscado pelos seus sobrinhos. Os desenhos de Walmor são mesmo uma gracinha. Os meus...nem tanto. Pouco antes das sete eu tomo o rumo de casa, ali pertinho.
No ano de 54 passo a morar na mesma rua que minha tia, Dr. Veloso, nos tornando “vizinhos de grito”, com apenas a rua Governador Valadores entre nós. Passo, então, a freqüentar aquela casa em outras horas, além das habituais idas após o passeio no jardim. Descubro que, pela manhã, a tia Anja, irmã do meu avô, faz rendas. Ela mora no barracão do quintal com sua irmã Rosa. Fico horas sentada num banquinho enquanto ela tece com bilros e conta histórias apavorantes do lobisomem. Encanta-me ver as rendas sendo formadas como num passe de mágica. A outra tia, porém, fica à distancia. “É doida”, dizem. Nunca soube ao certo qual seu drama. Meus irmãos, às vezes, tentam entrar no seu quarto apenas para ouvi-la dizer: “Ce besta que não entra.” Acham engraçado, mas gostando muito da tia Rosa. Creio que ela nunca soube o quanto!
Certa tarde outonal, nas primeiras notas da “Ave Maria”, ela sai do seu esconderijo. Da porta da sala vejo quando segue até ao tanque. Tia Maria já está no seu lugar de costume. Tia Rosa anda pelo quintal, contorna o tanque e colhe três rosinhas brancas para seu oratório. Cabeça branquinha, muito limpa, vestido azul claro. Olha para o lado da serra. Acompanho seu olhar e dou-me conta da beleza das cores. O pé de urucum está envolto em luz dourada dos raios do sol. Nuvens cor de fogo enfeitam o céu. A beleza da música completa o cenário. Meu coração transborda de emoção enquanto rezo a “Ave Maria”. Tia Rosa retorna ao seu quartinho sem se dar conta de ter sido observada. Final da Hora do Ângelus. Todos voltam aos seus afazeres. Peço a titia pelo caderno verde. Quero deixar ali a paisagem do quintal ao cair da tarde. Não é fácil, mas, rabisco qualquer coisa. Tiana, afilhada de titia, começa a cantar: “Nesse instante desce o negro véu da noite, a cidade aos poucos vai ficar sem vida, Vaya com Dios mi vida...” Pela janela vejo quando alguém acende a luz do nosso alpendre. Melhor ir pra casa. Anoiteceu.
Hoje, 2012, o relógio eletrônico da igreja da Matriz, além das badaladas, brinda-nos com o início da Ave Maria de Schubert, às 18 horas. O momento convida à meditação. E, ao fechar os olhos, adivinhem para onde vou? Para o relicário dentro do meu coração: a casa de tia Maria. Revejo as mesmas cenas com liberdade de acrescentar outras. Tia Rosa sorri para mim! Feliz, junto com titia, me aproximo dela, de tia Anja, Ana, Tiana para ouvirmos a Ave Maria, em oração. Faço isso na esperança que sintam o muito que significaram em minha vida, o tanto que sempre foram - e são – amadas por mim. Amém.


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Por Virginia de Paula - 13/5/2012 14:41:08

Para Minha Mãe.

Escrito a 13 de Maio de 2012 quando, coincidentemente, o Dia das Mães cai no dia de uma Mãe Maior: Nossa Senhora de Fátima, devidamente entronizada na Chacrinha.

Naquela manhã de domingo de um ano bem distante, percebo, já dentro do carro que nos leva para as margens do rio São Lamberto, que meu pai carrega uma máquina fotográfica. Oba! As fotos me fascinam. Parecem ter um poder especial de preservar algo para sempre. E aqui não me refiro apenas a eternizar momentos num pedaço de papel. Dentro de mim mora uma menina que sonha com milagres e magias e pensa que, só não acontecem sempre porque duvidamos. Ou melhor, temos certeza que tais coisas não existem. Eu gostaria tanto que existissem! Fotos com o poder de nos levar de volta ao tempo em que foram tiradas. Fotos que nos façam sentir novamente as emoções vividas naquele momento. Ainda não conhecia Oliver Twist, o personagem de Dickens, que, pelo menos na versão para os palcos, pedia que alguém lhe comprasse aquela linda manhã de sol vista pela janela. E que ela fosse guardada dentro de uma caixinha... para que, em dias nublados, voltasse radiosa assim que a tampa da caixa fosse aberta. Pois é, ainda não o conhecia, mas pensava parecido. Um dia no futuro, aquele álbum de fotos de capa vermelha e letras douradas, denominado “Nossos Filhos”, - e os álbuns que viriam depois - seria tão mágico como a caixa de Oliver Twist, bastando abrir suas páginas para voltarmos no tempo.Ah... Reviver as manhãs quando havia piscina cheia no quintal, sentir novamente os focinhos gelados dos nossos cachorrinhos de então, ouvir de novo o que minha irmã tocava ao piano, voltar à nossa antiga casa da Simeão Ribeiro, sentir o cheiro do mato nos passeios inventados por papai...Sendo assim, faltava uma foto há muito sonhada por mim; uma foto que mostrasse o tamanho do amor dedicado à minha mãe. E como seria tal foto? Eu no seu colo, rosto encostado ao dela... Quase chegando ao nosso destino atrevo-me a pedir. “Papai, quero uma foto com o meu rosto encostado ao de mamãe. Pode ser?” Surpresa geral. Tenho de repetir o pedido explicando como seria a pose. De preferência no colo dela. “Mamãe, a senhora aceita? Eu quero uma foto com meu rosto pertinho do seu.” “ Já que você quer... eu também quero.” Felicidade. Chegamos ao Rio São Lamberto pouco depois.
Eis o programa de fim de semana preferido do meu pai, e creio, de todos nós. Acampar à beira de um rio raso, brincar na água, caminhar mato à dentro em busca de frutos do serrado, comer arroz tropeiro empapado e com molho de tomate de monturo. Nunca apenas nós. Meu pai combina o passeio com amigos, parentes, até jogadores do Cassimiro. Dessa vez somos nós e a famila do Tio Antonio Fraga. Cá estamos no São Lamberto, num lugar denominado Canto do Engenho, sentados nas pedras amigas – juro que me parecem amigas – molhando os pés, sentindo o calor morno do sol. Ali fico um bom tempo até que vejo meu pai batendo fotos. E a minha? A mãe parece muito atarefada preparando o almoço num fogão à lenha improvisado com tijolos. Ela, Joana e Tia Helena não fazem outra coisa desde que chegaram. Mas, larga tudo para me atender. Me pega nos braços, encosto minha têmpora na sua, e click! Pronto. Está registrado não só a bela manhã, mas, principalmente, o amor maior do mundo. Na foto vemos meu irmão Walmor ao fundo, sentadinho nas pedras amigas. E quando a magia se tornar possível, bastará olhar essa fotografia para reviver a manhã de sol, rever meu pai ajeitando a máquina, sentir de novo o contato da pele na minha. Então, me aconchegarei ainda mais nos braços daquela a quem dedico estas linhas: Mamãe.


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Por Virginia de Paula - 20/8/2011 17:41:23

Estou enviando uma crônica que escrevi para meu pai. É coisa muito pessoal, diferente das outras que falo sobre as festas juninas e o carnaval. Dessa vez falo especialmente sobre ele. E estou enviando uma foto dele com Oswaldo Antunes e Oscar Mendes, apreciando a marujada. Ou melhor, apreciando a festa de agosto, mas a foto foi batida quando a marujada estava passando. Não está com boa qualidade, mas por incrível que pareça, essa é a única foto que tenho dele nas festas. Mesmo assim, está de costas. Gostaria que essa foto ilustrasse o texto, pode ser? (...)

Esperando papai.

Virginia A. de Paula

Sempre lutou a fim de nada me faltar.
Sempre chegou sorrindo alegremente...
(Paul Burkhard e Ghiaroni)

Gostava de viagens. Pequenas viagens. Seu tempo mais longo fora: um mês em Recife, devido a um curso. Não sei como suportou. Mas, mesmo ficando poucos dias, sabia aproveitar cada minuto. Ao chegar numa cidade, logo perguntava por museus. “Para apreciar um lugar temos de saber sua história”, costumava dizer. Férias na praia? Apenas uma vez: três dias em Olivença, Bahia. Bateu o recorde quando foi a Santos ficando não mais que dez minutos. Chegou, desceu do ônibus, deu umas caminhadas e pegou o ônibus de volta. No ano de 66, volta a Santos, conseguindo ficar por uma manhã inteira! Não é que não gostasse. Apenas não via necessidade de delongas. Afinal de contas, o bom mesmo era chegar de volta. Em todas as chegadas, declarava: “Vale a pena viajar só para poder voltar”. Viajava levando uma grande sacola marrom, como a de Papai Noel. Finalidade: enchê-la de presentes. Com isso, sua chegada era esperada com ansiedade pelas crianças. Mas, não pensem que era só pelos brinquedos. Afirmo que era, principalmente, pela sua volta, por estar com ele novamente. Quando em férias no Pentáurea Clube, as suas chegadas tinham sabor especial. Como “chegadas”, se estava em férias? É que... não estava. As férias eram apenas dos filhos. Ele vinha para o serviço diariamente, almoçava na casa da irmã Maria, ou no Intermezzo, voltando no fim da tarde. O dia inteiro longe de nós. A brincadeira corre solta dia inteiro, no clube. Banhos no rio, cavalgadas, caminhadas para colher pequi e frutos do cerrado. Vejo-me na gangorra com minha prima Verônica, cantando com voz solta. Ao notar a tarde começando a cair, subo depressa para sentar-me no alpendre. Minha Irmã já lá se encontra, ouvindo a Jornal do Brasil pelo rádio à pilha. Começa a “Ave Maria” de Dunshee de Abranches na voz de De La Cruz. É um momento sagrado de todo o fim de tarde, à espera do meu pai, olhando o céu e os galhos da árvore Chorona balançando ao vento, ao som da música. Então, avisto o Land Rover apontando no alto do morrinho, a antiga estradinha de entrada do clube. “Papai está chegando!” Ao ouvirem meu aviso, todos se aproximam. Ele desce do carro com o sorriso aberto, braços carregando sacolas. Traz os pães para o café da manhã, uma lata de goiabada, os jornais e as revistas: O Cruzeiro, Luluzinha e Cinelândia. Que festa! Começa logo a narrativa das coisas vividas durante o dia, com muito humor. Nós, ao seu redor, ouvindo, rindo, aprendendo. À noite jogamos buraco até a hora de dormir. Bem cedinho ele volta para Montes Claros, exceto aos domingos. Assim segue até o final das férias. Mas, na cidade, não há muita diferença. Sai para o trabalho cantando. E volta também cantando, declamando, rindo alto. No fim das tardes, traz os jornais, revistas, e, de vez em quando, alguns salgados “para incrementar a janta”: ovos empanados, esfirras, pastéis. E, podem acreditar: qualquer novidade interessante encontrada no caminho virá com ele.
Chegava também, sem aviso, em cidades e fazendas onde os filhos estivessem. Em 58, minha irmã e eu vamos até Janaúba para um fim de semana. Pois, no segundo dia, enquanto passeio por uma praça perto da estação ferroviária, quem vejo descendo do trem? Meu pai, juntamente com minha mãe e meu irmão Virgílio. Por isso, quando em Londres, muitas vezes sonhava com sua chegada. Estou certa que só não apareceu porque fiquei pouco tempo. Tivesse eu optado por uma temporada maior, não tenho dúvidas que, numa bela manhã, ao abrir a porta da Montoba House, ele estaria ali na frente, com aquele sorriso do tamanho do mundo. E, se não cruzou o Atlântico, pelo menos não agüentou esperar em casa. Ao descer do avião em Belo Horizonte, ele é a primeira pessoa que vejo no aeroporto.
No início dos 80, aposentado e com dificuldades de locomoção, continua ativo e envolvido em projetos pela cidade, como por exemplo, o Museu da Imagem e do Som. É sua tarefa sair de casa para fotografar e entrevistar pessoas. Liga o gravador assim que retorna, para ouvirmos sua conversa com Cyro dos Anjos, Carlos Filinto Prates, Antonia de Mãe Velha... Sim, chegava em grande estilo. Até a casa, os bichos, as plantas parecem saudá-lo a cada retorno.
Ai, ele não chega mais. Muito estranho. Partiu faz tempos... Logo ele que não ficava fora mais de uma semana! Se fosse possível, com certeza daria um jeito de vir. Incrível sua ausência em pleno dia dos pais! Não me refiro a visitas espirituais, das que os médiuns costumam perceber. Confesso que, de vez em quando, sinto sua presença. Estou falando de um retorno material e definitivo para sua querida Chacrinha. Ora, mas isso não acontece. Nunca ninguém voltou assim. Impossível. É então, que ouço novamente sua voz dizendo aquela frase tão apreciada por ele: “O difícil é possível. E o impossível apenas demora mais um pouco...” Receba meu abraço, papai. Se der para vir em pelo menos em espírito, a hora é boa. É tempo de catopês!


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Por Virginia de Paula - 26/6/2011 02:26:30
O Dia Mais Feliz da Minha Vida

Virgínia de Paula

Andando pelas ruas vejo que as vitrines que ostentavam trajes de anjos há poucos dias, agora mostram vestidos para as quadrilhas juninas. Bom saber que ainda acontecem. Bom ver que o clima festivo de junho permanece. Vejo cartazes anunciando forrós, atendentes das lojas vestidas de caipiras, ouço foguetes (para mim, dispensáveis) a todo o momento. Há diferenças entre as festas de hoje e as de ontem, mas, o importante é que ainda acontecem. Aqui em casa, celebramos todos os santos do mês, acendemos fogueiras, levantamos os mastros, comemos canjica e bebemos quentão. E, enquanto acendo uma chuvinha de prata, ouço um toque de safona me chamando. Curiosamente, o som é de uma música americana: “Sentimental Journey”. Quem toca, é nosso querido Beto Oliveira, no quintal do Sr. Levi Peres, enquanto aguarda o ensaio da quadrilha. Lá estou eu sentada na escada dos fundos, à distância, sonhando com o dia que eu poderei também dançar. Olho para o céu estrelado. “As estrelas do espaço profundo, são os balões lá do céu”, divago, lembrando outra música, enquanto Beto ainda toca a estrangeira, que, de certa forma, convida-me para uma viagem sentimental. É o que faço agora. Meu pai chega em casa, trazendo os primeiros de uma série de pacotes de “fosqueletes” e busca pés. Com isso, dou-me conta que junho chegou com suas noites longas e frias. Tudo tão diferente dos outros meses. Comidas, clima, diversões, roupas, cheiro, tudo diferente. Até os afazeres são exclusivos do mês. Por exemplo: confeccionar “borboletas”, um “traque” caseiro, feito com uma tira de papel enrolado em forma de triângulo e um cordão com pólvora, no centro. Coisas de vovó Lica. Enrolar biscoitos e ter o prazer de saborear aqueles que formam nossos nomes; Recortar bandeirolas, preparar o grude, estirar cordões pelo quintal afora, colando-as neles, uma por uma, seguindo uma seqüência de cores; Cortar bambus do fundo do quintal para ornamentar a entrada do “arraiá”; Colocar lanternas japonesas nas lâmpadas, enfeitar os mastros com as estampas dos santos, comprar chitões para os vestidos, enfeitar os chapéus de palha com fitas, preparar a fogueira. Quase todas as noites, uma festa. Muitas delas, na nossa Chacrinha. Sempre com quadrilha, marcadas excepcionalmente bem por meu pai. As escolas tentam atrapalhar nossa alegria marcando as tais provas semi finais, mas, em vão. Como resistir ao “ anavant”, “anarrière”, “tout”? Além das festas que pipocam diariamente na cidade e nas fazendas, há aquelas de datas fixas: Dia 12 , na Padre Teixeira, com fogueiras ao longo da rua. Depois, em casa de Seu Marcelino, nosso jardineiro. Dia 13, aniversário de tio Antônio. Dia 19, o da minha mãe. Dia 23, de Tio João com continuidade na nossa avenida, na festa de “Seu” Manoel Araújo. Dia 24, aniversário de Walmor. Dia 28, no Pentáurea. Vamos bem cedo trabalhar na decoração e fazer os saquinhos de biscoitos e pés de moleque a serem distribuídos gratuitamente na barraca de Hermes de Paula, onde também bebe-se do quentão autêntico. Lá está mamãe atarefadíssima, na antiga casa de Seu Zé Cocá, vestida com roupas do Gurutuba, trança postiça, rosa vermelha nos cabelos: a mais bela caipira que já se viu. Muito frio, mas...a farra compensa. Por lá, dormimos embolados em colchões no chão e achando tudo ótimo. Dia seguinte, a volta pra casa sabendo que o mês tão colorido, está no fim. Ano que vem tem mais. Minha viagem dá um salto para o ano em que começo a participar das quadrilhas sem ter irmãos ou primos como pares. Tudo o já descrito se repete, acrescido da nova emoção. Alegria misturada com ansiedade. Convites chegando a toda hora. “Hoje é na casa de Lilia. No sábado, na casa de Selma. Semana que vem, aqui em casa, na festa do CIC”. Dúvidas atormentando. “Será que posso repetir a roupa de caipira? Poderei usar blusa de frio? Quem será meu par na quadrilha do dia 21? Que presente devo comprar para ele?” Suspiros... Onde estou agora? No Dia dos namorados! Junto a uma bacia cheia de água, vela acesa inclinada, olhando com atenção as gotas de cera que pingam. A letra formada será a inicial do futuro esposo. Formam um Jota! Libero um daqueles gritos que só os adolescentes sabem dar. O meu favorito número dois na cidade tem nome começado com jota! Mas...e o número um? Ah, é daqueles que passam voando numa vespa e desaparecem na primeira esquina. Sem me ver. Como um...artista de cinema. Alguém para ser admirado à distância. Chega o dia 16, com novo ensaio, no enorme quintal dos Cardoso. Hora do Grand Promenade. Cavalheiros de um lado, damas de outro. Próximo passo é com o par vis a vis. A moça a meu lado percebe que vou dançar com quem ela quer.- “Troca de lugar comigo! Pode ser?”-“Claro, por que não?” Respondo sem saber quem viria para mim com essa troca. Cavalheiros e damas se aproximam. Começo a desconfiar... Não é possível! Mas parece que é ele mesmo! É sim! Exatamente, o favorito número um! Meu par durante todo o grande túnel. Meus pés mal tocam o chão. Flutuo. Fim de ensaio, amigas me cercam. “ Que sorte foi essa? Que simpatia você fez?” Naquela noite, escrevo em meu diário:" Dia 16 de junho de 1962: O dia mais feliz da minha vida".


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Por Virginia de Paula - 14/3/2011 12:33:16



Bom saber que apreciaram. Eu fiquei feliz de poder ter compartilhado minhas memórias. Gostei de ver uma pasta ali junto a dos melhores cronistas da cidade. Bacana. Agradeço muito. Estou enviando as fotos. (...). Uma delas é do início do século passado, talvez 1910, por aí. Montes Claros já era cidade mas bem pequena. Sei que estão festejando num carro de boi porque meu pai falava que era assim. Os carros ainda não existiam, ou não tinham chegado até Montes Claros. Mas não é possível ver o carro de boi na foto. Só vi um dos bois, no meio das pessoas. Mesmo assim é uma foto bonita. As casas da frente deram lugar aos Correios & Telégrafos de hoje. Lá no fundo está a várzea, onde fica o Montes Claros Tenis Clube atualmente. A outra foto é da década de 50, no clube Montes Claros. Vemos Dona Dilma Lagoeiro Fagundes com Dr. Hermes e Dona Fina. E vemos também o lança-perfume na mesa. :) Acabei de me dar conta que não usei o hifen nesta palavra nos artigos. Nada sei sobre a nova ortografia. Então escrevi sem hífen para verificar depois, verifiquei e esqueci de corrigir. Que coisa.


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Por Virginia de Paula - 9/3/2011 03:33:57
Velhos Carnavais (última parte)

“Que bom que chegou carnaval outra vez, agora eu posso esconder minha dor...”

A data eu não sei. Mas vejo a cena. O Bloco Biô & Salomé faz uma pausa da batucada na praça Dr. Chaves. Waltinho Fernandes tenta convencer o pessoal a participar do desfile promovido pela prefeitura, na av. Coronel Prates. “Vamos lá, gente. Vai ser um sucesso.” Gasto inútil de palavras. Eles estão irredutíveis. O bloco surgiu devido a uma vontade de reviver os tempos do carnaval espontâneo. Competir na avenida desvirtuaria seus objetivos. Meu irmão Virgílio, da bateria, concorda. Mas a decisão final vem de Junior Leão. Não e não e não. Dali, seguem sambando até ao Automóvel Clube. Revejo todos perto da piscina. Estão cansados, mas alegres, vestidos com seus kafkas coloridos. Ano seguinte não resistem e participam do desfile, mais coloridos do que antes. Visual caprichado, o deles. Um bloco autêntico, todos usando o mesmo modelo de fantasia, causando impacto. O nome homenageia duas figuras queridas da cidade: Biô Maia e dona Maria Salomé. O bloco tem muitos componentes, com destaque para Dorninha, sempre empurrando um carrinho de sorvete cheio de bebidas. Devido a participação do meu irmão, naquele ano, aprontam-se em nossa casa. Estamos com hóspedes de Belo Horizonte, que apreciam o movimento. E nós também. Assim que o bloco sai , subimos para a avenida, ricamente decorada, novidade nos nossos carnavais. Arquibancadas foram erguidas e já se encontram lotadas, o que leva meu pai a comentar: “ Todos vieram só para ver o carnaval. Ficam esperando o desfile, sentados, braços cruzados. Que diferença do tempo antigo.” Fala no entrudo banido em 1909, (alguns morriam com essa “brincadeira”), no Tomás de Oliveira, o grande folião da cidade, no seu filho Ari, também folião de primeira, na gracinha do bloco “Mimosos Colibris”. Fala nos clarins. “Lembro dos clarins’, eu digo. Ele ri: “ Quando você era criança, o carnaval já estava decadente. O melhor que tivemos foi em 29.” Mas, reconhece que, sem comparar com os mais antigos, até que era bom. Papai faz uma pausa na aula de história porque o desfile tem início. Lá vem a Roxo Verde. E a Destak, com um excelente puxador de samba, o Simonal. Depois é a vez do Feijão Maravilha. Finalmente, chega a hora da belíssima escola de Geraldino, genro do Vavá, da escola da minha infância. O povo fica empolgado. Em destaque, o cabeleireiro Olimpio Damasceno, resplandecente, vestido de dourado. Nosso hóspede comenta que a de Geraldino é melhor do que qualquer uma de B.H, o que nos envaidece. Chega a vez dos blocos. Tem o Saci. Tem o Cara de Pau, do SESC, que mais parece uma mini escola de samba. Tocam uma marchinha e faz o povo levantar. Agora é o Chulé. Sinto simpatia por esse bloco. Simplicidade ao extremo, vestidos de saco, dançam ao som de uma música composta por eles. A letra fala sobre um Marciano, o marcianinho, que desce à Terra para brincar no Chulé. Tal ingenuidade cativa-me e danço com eles, do lado de dentro do portão. Epa, que claridade é aquela que vem chegando? Algo espantosamente belo. É o Biô & Salomé entrando na avenida com uma original fantasia de canudinhos de tomar refresco, das mais variadas cores. A galera delira. Logo atrás, o favorito das crianças: o bloco com o fedido nome de Bosta pegando carona na bateria do Biô. Com o visual quase igual ao Chulé, de caras tampadas, esbaldam-se na avenida. Alguns participantes encaram como terapia. Sei de uma moça que, sofrendo pelo rompimento do noivado, pula nos três dias. Na quarta feira, está livre da dor. E assim, termina o desfile. Meu pai recorda os “chinas” de 29. E reconhece que a prefeitura fez bonito. Dentro de mim, concluo que carnaval tem de ser natural, sem visar prêmios. Mesmo assim, é ali no portão que fico até 1981. Em 82, o desfile é transferido para a av. Deputado Esteves Rodrigues, a novidade da cidade. Naquele ano faço parte da comissão julgadora. E fim. Vão dizer que tivemos outros. Mas, não vi sinal deles. Nunca mais ouvi um batuque ao longe. Cadê o Marciano? Nunca mais veio. E o Carnamontes? Sendo temporão, não é carnaval. Podemos celebrar o Natal em outubro? E festas juninas em dezembro? Não. Carnaval tem significado cultural e vem antes da Quaresma. De outra forma, é outra festa.
Hoje, em casa, abro uma cerveja e faço um brinde a todos os carnavalescos que embelezaram minha vida. Lamento que os atuais foliões prefiram não sair por falta de verba da prefeitura. Sem competição, não brincam. Que pena. As crianças de hoje, nem terão do que sentir saudade. Feliz eu sou por ter tantas lindas lembranças. Na internet, encontro um site com as melodias de outrora. E canto junto, revivendo os velhos inesquecíveis carnavais: “Todos eles, estão errados, a lua é dos namorados.”


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Por Virginia de Paula - 8/3/2011 03:56:46
Belos versos, Mercês. E bem a propósito. São seus?
E aqui está meu penúltimo artigo sobre os carnavais.

Velhos Carnavais (4)

“Tanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...”(Zé Kéti)

Aqui estou perguntando: Por que, a partir de 65, ninguém mais brincou nas ruas? Só posso “chutar” razões. Vamos lá. Endereço do Clube Montes Claros: esquina da Rua Dr. Veloso com Presidente Vargas, rua do “footing” da cidade durante anos. Mesmo quando debandaram para a Praça Cel Ribeiro, sempre voltavam para o mesmo local tanto no carnaval quanto no Natal. Além disso, o clube tinha vizinhos que colaboravam para a animação: bares, lanchonetes, restaurantes e lojas com suas vitrines ornamentadas e iluminadas. Já o Automóvel clube, construído numa praça sem tradição de “footing”, tinha casas de famílias e um grupo escolar, como vizinhos. Nada convidativo. Os foliões passam a ir ao baile em seus carros que os deixam já na entrada do clube. Nada de gente esperando desde cedo. Nada de blocos brincando nas ruas à espera do início do baile. Lamentável. Mas, tudo é alegria dentro do AC, que reina absoluto por anos a fio. Parou por que? Ao que parece, seus sócios descobrem que viajar no carnaval é mais interessante. O clube, porém, continua majestoso, até mais do que quando inaugurado, sendo um orgulho para a cidade. E o Montes Claros? Pois não é que deu a volta por cima? Em 1970 seus diretores alugam os salões para o DCE que promove bailes de carnaval tão animados quanto os do passado. Pouco depois é “transmutado” em Conservatório Lorenzo Fernandes, saindo assim de cena, como clube, da forma mais elegante possível.
O AC, após o início em 65, segue com seus frenéticos bailes. Bato o ponto por cerca de dez anos, achando ótimo, apesar do excesso de vigilância. Houve um tempo que dançávamos sob os olhares de policiais uniformizados em volta da pista. Nesse tempo, a filosofia do “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...” não valia dentro das paredes do clube. Mas, que importa? Todos querem mesmo é sambar e não há restrições para a alegria. O clube está bem ornamentado, a multidão alegre, e temos uma rainha do carnaval, Nice David. Ela dança por entre as mesas, acenando, jogando beijos, como uma verdadeira rainha no seu castelo.
Para brincar, costumo incrementar um pouco meu visual. Em 67, vou de bermudas e camiseta com o desenho de Madame Mim, feito por um querido amigo, especialmente para a ocasião. Nas costas, a frase de John Lennon “ Turn off your mind, relax and float downstream…” De outra feita improviso um Dominó, usando uma túnica e máscara negra....na testa. Ano seguinte escolho o mais surrado dos jeans e camiseta branca. “Esta é minha fantasia de guerrilheira”, aviso aos amigos. Em 74 faço diferente. Vestido de gala, maquiagem pesada e cabelo de salão. “E isso é fantasia?” pergunta uma amiga. Explico: “ Estou de Glamour Girl, uai.”
Nem sempre sinto-me feliz. Tinha perdido a sabedoria de criança, quando apenas o brilho em minha volta era motivo de felicidade. Tinha passado para terceiros a responsabilidade de fazer-me feliz. Assim, não havendo uma pessoa especial com quem dançar, vinha a “fossa”. Em 71, eu e uma amiga estamos de luz baixa, no restaurante. De que adianta o traje de marinheira, com âncora no peito? Estou jogada às traças. A amiga lamenta: “Já é terça feira e nada de bom aconteceu.” De repente, fico otimista. Digo que aquele jovem adorável, o mais paquerado da cidade, chegaria para levar-nos à boite. Ah, a boite do AC... Nosso sonho. Mas, moças só entram se acompanhadas por um moço. Minha amiga dá uma gargalhada com meu “delírio”. Logo quem... ”Ele não olha para nós”, comenta. Vejo que ele surge na porta. Vem na nossa direção! Pára em frente à nossa mesa e... convida-nos para a boite. Vamos flutuando. Relembro a fumaça, nós três na pista, alguém dizendo que dançávamos o verdadeiro “bilisquete”. Vem do nosso belo par, um som em francês... “C`est une poupée qui fait non non non .” Ali, as músicas de carnaval passam longe. Já em casa, a amiga pergunta: “ Como você conseguiu aquilo?” Apenas balbucio que “ a fé remove montanhas.”
E teve aquele ano...Eu, toda vestida bonitinha, de cigana, saia de lenços coloridos e bustiê preto, e sem ninguém com quem dançar. Cadê os amigos? Nenhum à vista. Tinham debandado para outras paragens. Passo a noite, jururu. Na saída, quase levo um tombo ao descer a escada. Percebo os olhares conservadores na minha direção. Recomponho-me com ajuda da prima Fátima. O jeito é cantar: “ Foi numa casca de banana que pisei, pisei, escorreguei, quase caí. Mas a turma lá de trás gritou, xiii, tem nego bebo aí...” Descemos para à padaria Globo já com saudades do tempo que ali ficávamos rodeados de amigos. Naquela manhã, apenas nós duas. Mesmo assim, vamos embora cantando: “ Bandeira branca, amor. Não posso mais...” Chegando em casa, informo: “ De agora em diante, passo o carnaval no portão da minha casa.” Dito e feito.


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Por Virginia de Paula - 7/3/2011 01:36:49
Velhos Carnavais (3)

“Guardo ainda bem guardada a serpentina...”(David Nasser e Haroldo Lobo)


1963. A moçada do bloco de Paulo de Paula está pronta para sambar. Vestem-se de malandros: roupa branca, colete de cetim azul e chapéu de palha. Paulinho, como os antigos foliões montes-clarenses, compõe o samba tema. Logo decoro a letra: “ Moc em ritmo de samba, vai abafar. Eu quero ver neste carnaval, morena linda, o seu corpo gingar!” O pessoal da bateria gira pelo centro na carroceria de uma caminhonete. Mais tarde todo o bloco brinca nas ruas pelo puro prazer de brincar. Moc realmente abafa, naquele 1963. Na terça feira gorda vem o convite do meu pai: “Quer ir ao baile?” Ora, se quero.
Não vejo muita diferença da festa vespertina. Noto apenas que, à noite, o porre corre solto. Os rapazes cheiram lança nos lenços, abertamente, apesar da proibição acontecida em 61. Impressiona-me a animação do meu pai e entendo, então, a causa dele ter sido considerado o folião da noite, alguns anos antes. Passo um tempo com ele e minha mãe no segundo andar, bebericando alguma coisa. Depois, desço para a pista. Fico ali parada, olhando, com receio de dançar sozinha. E então, eis que surge um mascarado, joga-me uma serpentina e, de braços abertos, convida: “Vem, não deixe pra depois, depois, vem que a noite é de nós dois, nós dois...” Eu vou. E nem me importo com os empurrões e machucões costumeiros. Dia seguinte, quarta feira de cinzas, guardo aquela serpentina dentro de um caderno. Anoto: “ Para lembrar sempre.”
Em 64 preparo-me para mais um carnaval. O bloco “de Paula” está na maior empolgação. Fantasia do ano: Havaianos. Já no clube, uma das primas oferta-me um dos colares coloridos, dando vida a minha roupa chué. Danço com um primo, recém chegado de São Paulo. Bonito, alto e forte, torna-se um escudo protetor admirável. O clube está lindo, a alegria corre solta, o Rei Momo chama a todos para a folia, exatamente como em todos os anos. A orquestra toca quase sem parar, com Roque Barreto marcando o ritmo. Mas... há um quê de tristeza dentro de mim, reforçado pela música mais cantada do ano: “É lua cheia, nem sei pra que, se eu tenho os braços, vazios de você.”
Chega 1965. Algo estranho parece ameaçar o carnaval. Por razões que nunca soube, Paulinho desiste do bloco, após três anos alegrando nossas vidas. E, chega a notícia que a lei anti lança perfume será cumprida à risca. Meu pai, que já tinha sentenciado o fim do carnaval devido à proibição, comenta que sem lança perfume não tem a menor graça. Mesmo assim, visto-me com uma roupa confortável e jogo pó dourado nos cabelos, para dar o clima. Ás 21 horas seguimos para o baile. Mas, o que é isso? Ninguém nas ruas. É carnaval e as ruas estão vazias. Como pode ser? Espantados, entramos no clube, também vazio. Incrível. A pista do primeiro andar está entregue às moscas. O baile acontece no andar de cima onde alguns poucos gatos pingados fingem animação. Quase todas as mesas desocupadas. “ O que será que aconteceu?” Indaga minha mãe. Meu pai mata a charada:- “ Devem estar no Automóvel Clube. E é para lá que vamos.” O Automóvel Clube, recém inaugurado, construído pelo Partido Republicano, não goza da simpatia de meu pai, do PSD. Mas, diante do vazio do clube do seu partido, não há outro jeito. Pedimos a conta e vamos a pé à procura do carnaval. Que paradeiro! A rua São Francisco está como numa noite qualquer. De lá, ouvimos o som do carnaval e logo avistamos o clube feericamente iluminado. Fico de boca aberta com a beleza do lugar. Dois andares, portanto, um a menos que o Montes Claros. Mas, com amplos salões, espaço de sobra e até mesmo uma piscina! Subimos para o salão principal. Logo estou dançando com um belo jovem “cabeludo”, do jeito que gosto. Meu pai comenta: “ O carnaval não acabou. Apenas mudou de endereço.” Referia-se ao carnaval de clube, pois o de rua tinha acabado. Na volta para casa sinto um gosto de adeus. Na mente vem a imagem de um certo mascarado de um tempo já distante. Com a imagem, vem a música que tocava quando com ele dancei. “A noite é linda nos braços teus, é cedo ainda pra dizer adeus...” Melancolicamente, digo adeus a ele ...e a Vavá Alfaiate, Madame Bichara, o bloco de Paulinho, os foliões dançando nas ruas, Seu Mário garçom, Roque Barreto, o querido clube Montes Claros. Uma era feliz tinha acabado. Outra era estava começando.


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Por Virginia de Paula - 6/3/2011 02:51:21
Depois do tremor de terra, realmente alarmante, não sei se alguém terá vontade de ler sobre velhos carnavais...Mas, aqui está meu segundo artigo relembrando a folia do passado. Estou incluindo uma foto, onde vemos meu pai e minha mãe, (Hermes de Paula e Josefina) juntamente com D. Dilma Lagoeiro Fagundes, no clube Montes Claros. Anos 50. O lança perfume, ainda permitido, pode ser visto sobre a mesa.

Velhos Carnavais ( 2 )

“Olha o bloco do sujo, que não tem fantasia, mas que traz alegria, para o povo sambar.”

Domingo de carnaval do ano de 56. Logo cedo, missa das crianças. Na pregação o padre informa algo assustador: o carnaval é pecado! Os cristãos deveriam participar do retiro, pois ir ao carnaval equivaleria a comprar passagem para o inferno. Essa notícia cai como bomba dentro de mim. Sempre tinha adorado aqueles dias de festa sem nem de longe imaginar que fosse algo proibido. Fico pensando: será por isso que meu pai fabrica um tal “Sangue do Diabo?” Chego acabrunhada em casa. Entro no quarto e vejo minha fantasia de bailarina sobre a cama, à minha espera. Linda. Tinha aguardado com ansiedade o dia em que iria, pela primeira vez, ao clube Montes Claros. O dia tinha chegado. E eu com medo. Na hora do almoço vejo que meus pais e irmãos não parecem temer nada. Tudo está bem. Espanto o medo e, às duas da tarde, visto a fantasia verde. Calço as sapatilhas, emocionada. Sinto-me como uma bailarina de verdade! Minha mãe prende meus cabelos em coque e vamos para o clube. Da rua ouço um dos toques do Zé Pereira, bem aquela música que virou comercial: “Guará guará guará guará, melhor refrescante não há.” Vem angústia. Sigo caminhando com o coração apertado e suando frio. O capeta estaria no clube?
Chegamos. Assusto-me ao ver tanta gente querendo entrar ao mesmo tempo. O Sr. Geraldo Prates, muito nervoso, procura conter a multidão. Finalmente, entramos. Ali no térreo, sentindo o perfume do lança, toda a preocupação desaparece. O chão está forrado de confetes. A alegria está em todos os rostos. Impossível ver pecado num ambiente tão feliz. A pista ferve de gente. Felizmente há uma salinha especial para criancinhas. Bem que tento, com a prima Dulce, uma entradinha onde tantos estão brincando. Mas, uma barreira humana impede nossa passagem. Sem problema. A salinha serve muito bem para o que queremos: brincar, pular, jogar e receber confetes. E cantar! “Ó jardineira porque estás tão triste...” Às cinco horas meu pai leva-nos para o último andar. Sentamos numa das mesas e aguardamos Seu Mário, o garçom, um pouco surdo e extremamente gentil. Ele trás o mais saboroso e refrescante guaraná do mundo. Em seguida vamos para casa. Deixo o clube sabendo que voltarei no dia seguinte e no outro dia e no ano seguinte e no outro...
Algumas mudanças acontecem ao longo dos anos. O desfile de abertura tem fim. Os clarins silenciam. Mas, ganhamos um Rei Momo. As ruas permanecem cheias de marinheiros, prisioneiros, odaliscas, ou, simplesmente, foliões em roupas coloridas. Além dos três dias oficiais, acontecem os “Gritos de Carnaval” durante o tempo de espera. Esses “gritos”, realizados em locais como a boite da Praça de Esportes ou no Pentáurea Clube, costumam ser sem fantasias, sem aquele colorido do verdadeiro carnaval, mas, os foliões não perdem um só deles. Formam-se diversos blocos “do sujo”, improvisados e alegres.
No ano de 62, meu primo Paulinho cria um bloco animadíssimo, por conta de cada participante. Ninguém nem pensa em pedir ajuda à prefeitura. Carnaval do povo é feito pelo povo. Os ensaios acontecem durante todo janeiro no quintal de sua casa. Não participo, mas, acompanho todos os preparativos. Vibro com a fantasia de índio, feita de estopa. Danço atrás deles, nas ruas do centro, com as amigas da vizinhança. “ Ê ê ê ê ê, índio quer apito se não der pau vai comer.” Eles descem pela Presidente Vargas e entram no clube Montes Claros. Roberto Prates na frente, apito na boca, o único com fantasia diferente, de couro. Uma das índias surge na sacada e acena para a minha turminha que dança na porta do Bar Sibéria.
Hora de ir embora. A farra continuaria até a quarta feira descer o pano e, então, só nos restaria esperar o próximo ano. Quem poderia imaginar que em breve tudo seria diferente? Naquela noite de 62, isso não passa por nossas cabeças. Vamos pra casa cantando: “Eu pulo, pulo, pulo, pulo, pulo, pulo, eu faço barulho, eu quero é pular.”


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Por Virginia de Paula - 5/3/2011 03:26:17
Peço licença para compartilhar com os leitores do mural, cinco artigos que escrevi sobre os carnavais do passado em Montes Claros. Este é o primeiro.

Velhos Carnavais. (I)

“Hoje não tem dança não tem mais menina de trança nem cheiro de lança no ar. Hoje não tem frevo, tem gente que passa com medo e na praça ninguém pra cantar.
Me lembro tanto e é tão grande a saudade...” (Edu Lobo)
O carnaval está chegando. Haverá desfile na nossa cidade? Não sei. O carnaval competitivo nunca foi o meu estilo. Houve um tempo diferente. Como teria sido antes de mim? Vejo na parede da sala uma foto de Montes-clarenses, no início do século passado, festejando o carnaval...em cima de um carro de boi. Com certeza era divertido. Pergunto à minha mãe: “ Como era o carnaval na sua juventude.?” “Eu não brincava, mas saía para ver os blocos. Eram muito bonitos.” Pego o livro de meu pai e acho informações valiosas. Na primeira metade do século XX, era mesmo tempo dos blocos, com destaque para o de Ari de Oliveira, de nome original: “Mulher Engraçada e Adorada”. Vejo que foram carnavais melhores que os da minha infância, com Zé Pereira, carros alegóricos, abertura com foliões à cavalo, músicas compostas pelo pessoal da terra. Enquanto isso, em Diamantina, minha tia Léo brincava num intrudo inofensivo, jogando perfumes guardados em cascas de ovos parafinadas. Já faço idéia de como era. Mas, quero falar sobre os carnavais que vivi. Começo pelo início dos 50, tempo em que parecia haver um complô no Brasil para que todos brincassem. O cinema brasileiro lança uma série de chanchadas promovendo a folia. Os compositores apresentam suas marchinhas, sambas e marcha ranchos que são tocadas sem parar nas emissoras de rádio. E ainda editam revistas com as letras das músicas, para que todos as soubessem de cor nos três dias. No sábado, véspera do carnaval, Hermes de Paula chega em casa trazendo confete, serpentina, máscaras e lança perfumes. À tarde, no laboratório, prepara seu “Sangue do Diabo” para aumentar nossa alegria. Dona Fina dá os últimos retoques nas fantasias dos seus filhos mais velhos que vão “pular” carnaval no Clube Montes Claros. Ela gosta de enfeitá-los, sendo que, no ano anterior, sua filha Valéria ganha o concurso de fantasia, vestida de Dama Espanhola. Os dois mais novos ainda vão esperar alguns anos para irem ao clube. Mas, divertem-se com o que acontece nas ruas. Á tardinha, já estão prontos, ouvidos atentos aguardando o som dos clarins anunciando a chegada do tríduo momesco. De repente... Tararararararara...Tara rara... A melodia, mais tarde aproveitada como comercial da Coca Cola, causa arrepios. Quem se lembra? “No carnaval vou beber, Coca Cola...” O som vem de longe, da Justino Câmara, de onde sai a única escola de samba da cidade, liderada por Vavá Alfaiate. Agora, ouvimos a bateria. Evoé, foliões! “Ô abre alas, que eu quero passar...” Atravessam toda a praça e vão subindo. “ Já estão chegando!”, grita Joana , de prontidão na porta da casa. Corremos para a rua. À frente, dona Afra, ou melhor, Madame Bichara, impecavelmente vestida de baiana. Saia branca, rendada e rodada. Turbante na cabeça. Dança, roda, gira, acena para o povo que lota as ruas. Ao passarem por nossa casa, entram! Meu coração dispara. Após rápida visita ao nosso quintal, seguem pela rua Simeão Ribeiro. Atrás da escola, passam dois blocos e os “caretas” avulsos, numa animação contagiante. Ouvem-se apitos e gritos de alegria. Impossível resistir. Só entramos quando o jantar está servido. Às oito horas saímos para o “footing”. As vitrines das lojas estão iluminadas e os bares abertos. Seguro na mão de minha mãe, com receio de perder-me na multidão. Meus olhos estão fascinados com o colorido das fantasias. Vejo odaliscas, piratas, ciganas, ou pessoas em roupas de cetim, de cores variadas. E máscaras. Muitas máscaras. Algumas são bonitas, preferidas pelas mulheres. Os homens gostam das engraçadas, com grandes bigodes ou narigudas. Serpentinas e confetes cortam o ar. O cheiro de lança inebria a todos. Muitos estão à espera do início do baile no clube. Enquanto aguardam, brincam nas ruas. Ás nove horas estamos de volta. Dr. Hermes e Dona Fina vão ao clube. Dia seguinte, à tarde, Joana leva-me para o baile na sede do Cassimiro de Abreu, em frente à nossa casa. Tudo que vejo é uma muralha de pessoas pulando. Impossível entrar. Resolvemos o problema brincando no coradouro do quintal, cantando: “ Ai, ai, ai dona cegonha...” Ano seguinte, mais animação. É que mudamos para a rua Dr. Veloso, onde moram mais crianças. Todas as tardes há batalhas de confete na calçada. Noto o aumento de carros circulando, com todos cantando, batendo caixas, jogando serpentinas ao passar por nós que retribuímos com confetes, cantando o que cantam: “ É ou não é, piada de salão...” Esse era o carnaval daquele tempo: sem competição, sem arquibancadas, sem decoração. Mas, com alegria. Carnaval espontâneo, autenticamente “de rua”. Parecia que seria sempre assim. De repente, em 65, tudo muda. Faço uma pausa e sigo cantando: “Confete, pedacinho colorido de saudade, ai, ai, ai ai. ...”




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