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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 18 de maio de 2024
 

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Mensagem: O Cristo de Godofredo no Hotel São Luiz

João Carlos Sobreira

O salão de refeições do hotel era bastante grande, tinha dezesseis mesas quadradas, de madeira maciça, com um metro e vinte centímetros de lado, pintadas de preto. Também tinha dois móveis de apoio para guardar pratos, pires, xícaras, copos, talheres, toalhas e guardanapos de pano (ainda não se usava de papel!). Os móveis também serviam de aparador e ficavam um de cada lado da escadinha que fazia a ligação com a copa e, através dela, com a cozinha. E havia uma geladeira imensa de quatro portas, mais à direita.
Mas, o que eu quero destacar aqui é a presença, na parede do fundo do salão, de um quadro pintado por Godofredo Guedes. Hoje ele se encontra no meu escritório, compondo minha pequena galeria de arte, constituída de pinturas, fotografias, trabalhos em madeiras e cerâmicas, cartazes etc.. Este Cristo pintado por Godofredo é datado de 1936 e, seguramente, deve ser a mais antiga de suas obras de pintura em Montes Claros. Trata-se de uma peça, em óleo sobre tela, medindo 0,70 x 1,17 metros.
Pelo fato da mesma ter ficado por aproximadamente dezoito anos exposta em um salão de refeitório de um hotel, sob a ação de poeira (neste período as ruas do centro eram apenas encascalhadas) e da fumaça, diariamente vinda da cozinha, de manhã, ao meio dia e à noite, foi restaurada pelo autor em 1959, época em que passamos o hotel para ‘Seu’ Zé Português e o quadro foi conosco para a nossa casa nova, na rua Dr. Veloso.
Godofredo, baiano de Montes Claros, faleceu em 1983 e foi, no meu entender, um verdadeiro gênio das artes. Pintor autodidata, deixou uma imensa galeria de obras, em que apresenta belíssimas pinturas de alto gabarito, paisagens e marinhas repetitivas (estas ele as fazia em série, a exemplo do modelo fordiano). Além disso, foi um excelente músico e executava, com maestria, obras no saxofone e clarineta (instrumentos de que mais gostava), no piano e violão. Era exímio construtor de instrumentos musicais. Fabricava, principalmente, pianos, violões e cavaquinhos. Pesquisadores do Conservatório Lorenzo Fernandes conseguiram resgatar várias composições do Mestre Godofredo para todos os instrumentos citados, incluindo obras de valsas, chorinhos, serestas, sambas, marchas e outros ritmos. Foi, para mim, uma alegria e um grande contentamento conviver com Godofredo na minha juventude. Ele era muito amigo de meus pais. A convivência com seus filhos posteriormente, no âmbito profissional e social, representa também uma imensa satisfação.
O quadro, a que me refiro no segundo parágrafo, traz a figura de Jesus Cristo com uma cara de nordestino, cabeça chata e grande, testa curta, rosto com maçãs proeminentes. Será que ele quis homenagear papai, que era paraibano de Campina Grande? Mostra Cristo em pé, em cima de uma rocha, com as palmas das mãos abertas, viradas para a frente, um pouco abaixo da cintura. Atrás, aquém da rocha, apresenta um mar não muito revolto. Mais ao longe, na linha do horizonte, aparece o final do crepúsculo, com a luminosidade do poente em fase derradeira. E, mais ao alto, no céu, já começam a despontar as primeiras estrelas. A lua amarelada atrás de Sua cabeça confunde-se com o halo de divindade. O semblante do Cristo é tranqüilo e dá a impressão de muita paz. Suas vestes são simples e Ele está descalço. Sempre tive grande admiração por este quadro e é uma imensa satisfação tê-lo em frente à minha mesa, no meu escritório.
Nem sempre o Cristo de Godofredo foi interpretado artisticamente. Muitas vezes, foi um recurso para blagues interessantes. E Godofredo, sabendo dessas estórias ria bastante, com aquele riso aberto e espontâneo que ele sempre trazia no rosto. Como bem me recordo, no hotel, os viajantes sempre procuravam fazer gozações em todas as situações possíveis para atenuar o estresse da labuta diária de vendas e viagens. Seu Oswaldo, viajante da Brahma (é verdade: naquela época as companhias de bebidas – Brahma, Antarctica, Caracu, Cinzano etc. – enviavam seus viajantes periodicamente para vender seus produtos), dizia, sempre ao passar pelo quadro, papai estando por perto: -“Olha lá, Sobreira. O Cristo está dizendo: - Ô Sobreira, é só isso que o pessoal vai almoçar?” Ao que papai retrucava: -“Que nada, Oswaldo. Olhe bem para as mãos Dele. Ele está dizendo claramente para vocês: - “Ô gente! Com uma refeição com essa fartura, o que é que vocês querem mais?” O Cristo de Godofredo dava impressão de estar sorrindo, salvando meu pai de situações embaraçosas...
João Carlos Sobreira –arquiteto-urbanista
[email protected]

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