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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 28 de março de 2024
 

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Mensagem: EU, PATÃO E O REI... Não sei quantas vezes o Rei apresentou-se em Montes Claros. Assisti a dois de seus shows. Em julho de 1963, mero plebeu, hospedou-se no Hotel São José. Ele e o violão. Talvez nem mesmo empresário tivesse. Também não sei se com ele aconteceu o que ocorrera uns dois anos antes a Cauby Peixoto, que teve as vestes estraçalhadas pelo histérico público feminino. Já li, ou ouvi, que as costuras das calças e paletós dos ídolos de então eram simplesmente alinhavadas. Assim, bastava um puxão para o rei ou príncipe ficar nu ou em cuecas samba-canção. Roberto, que nem príncipe era, talvez tenha escapado da multidão. Contam que, ao descobrir a amada Moc, cantou-a primeiro no campo do Ateneu, o que não posso testemunhar. Eu o vi, em carne e osso, no Clube Montes Claros. Ele e o violão. Sequer um simples pandeiro acompanhava o moço... Não foi mole entrar no clube. Seu Oswaldo Landim, comissário de menores, pai de Nivaldo e Maçarico, me perseguia. Tinha eu quase 13 anos e ele já me havia barrado em Juventude Transviada (proibido para menores de 14), no Coronel Ribeiro. Logo eu, fã de James Dean! O danado sabia a idade de todos os meninos e meninas da cidade. Salvou-me a Providência divina, na pessoa de Barreto, Antônio, diretor do clube, que me fez entrar pela porta que dava acesso às salas de jogo. Subi as escadas em dois tempos e me vi de repente no salão de baile, onde fui acolhido em mesa ocupada por amigos do meu irmão mais velho, Raymundo. Servi-me de um hi-fi (vodka com crush) para me mostrar como gente grande e desse não passei, pois logo estava meio tonto, como se anestesiado. Mas me fez bem. Vi tudo com outros olhos, as lâmpadas brilhavam mais intensamente, a fumaça dos cigarros tudo envolvia, enfim, ali estava eu. Anunciaram o cantor do momento, que deixou a mesa de uma turma de rapazes e subiu ao palco. Ele e o violão. Cantou Calhambeque, Rosa-Rosinha e outras canções que não me lembro mais. Findo o show, eu não tinha mais nada a fazer ali. Deixei o clube pela porta da frente, causando estupor em Seu Oswaldo. ´Como ele entrou?´ escutei-o perguntar a Zé Idálio, outro comissário de menores que depois virou detetive. Veio o ano de 1964 e lá fui eu para a terceira série ginasial. Colégio São José, educação marista. Esse educandário foi construído através de doações em dinheiro da burguesia local com o intuito de melhor ensinar e domesticar seus rebentos. Falavam que o ensino ali era ´apertado´, ou seja, não dava moleza ao alunado. Havia lá certos castigos, tais como ficar de pé diante de uma parede durante algum tempo ou copiar uma mesma frase centenas de vezes. Duas burrices. A primeira, porque os que pegavam parede eram sempre os mesmos, reincidentes em algum tipo de falta - talvez uma outra medida educativa surtisse melhor efeito; a segunda, porque as chamadas linhas de nada adiantavam - melhor seria a obrigação de copiar textos... A planta do São José veio da França, sede da congregação marista, fundada pelo padre, hoje beato, Marcelino Champagnat. Junho, 06, data de seu aniversário, era feriado escolar. Delícia! Excelente colégio! Lá chegávamos com uma boa base, como se dizia, proporcionada por ótimos grupos escolares, notadamente o Francisco Sá, o Dom João Pimenta e o Gonçalves Chaves, onde estudei. Corpo docente formado por professoras dedicadíssimas e preparadas. Na terceira série do marista, além das matérias tradicionais tínhamos, uma vez por semana, aulas de desenho, música e caligrafia, esta última com todo o material necessário: caderno especial, tinteiro e caneta de madeira com pena. Causavam aflição e gastura garatujar com aquelas penas... Foi numa dessas aulas de música que me aproximei de Ricardo Milo. O querido irmão Wagner, que também lecionava história, nos quinze minutos finais permitia aos alunos colocar músicas de sua preferência na radiola portátil que disponibilizava para tal. Lá foi o Milo e, para surpresa minha, botou Beatles pra rodar. Era um compacto simples com duas canções, uma de cada lado: She loves you e I want to hold your hand. ´Uai, ele gosta de Beatles!´ Num colégio se fazem amizades e até hoje andamos juntos. Na minha casa, papai não tinha tempo pra música. Quando as ouvia - raramente - gostava de óperas. Aída (Verdi) era a sua predileta. Mamãe gostava de tudo, talvez um pouco mais de fados e Bach. Sabia também todas as letras e melodias das marchinhas de carnaval. Boa baiana. Raymundo e Layce, irmãos bem mais velhos, estudavam em BH e, quando aqui, em férias, promoviam suas laranjas-amigas, como então eram chamadas as horas-dançantes. Foi aí que conheci seus amigos e amigas (dessas, Bisa Costa, filha de Elisa e Joaquim, era a mais bonita, alías a mais linda moça já surgida em Moc, juntamente com Luizinha Barbosa, que não me lembro se participava daquelas laranjas-amigas), que levavam discos e mais discos para embalar as noitadas. Dançavam rock and roll, cheek-to-cheek, boleros (Perfídia, El reloj, La barca...). Na nossa big radiola estéreo, potentíssima para a época, rolava de tudo nessas ocasiões: Sinatra (lembro-me da capa de A swing affair, que trazia Night and day e outra canção - a segunda do lado B - que adoro e ainda canto ao chuveiro: The lonesome road), Ray Charles, Ella Fitzgerald, The Platters, Charles Aznavour, Maurice Chevalier, Edith Piaf, Elvis, Paul Anka, Neil Sedaka, Bill Halley e todos aqueles do rock. Benny Goodman e sua clarineta, Glenn Miller, Duke Ellington, Louis Armstrong, Count Basie, Waldir Calmon e Sua Orquestra (Uma noite no Arpège...), Tommy Dorsey e todas aquelas big bands. Naquele ano de 1964, fevereiro, ouvi The Beatles pela primeira vez. Aconteceu numa loja de discos em BH. Ia passando e a coisa me pegou. Foi um choque, uma paulada, um terremoto mundial! Eram em tudo diferentes de todos, a começar pelos trajes e cabelos. Cantavam, tocavam e compunham! Nada mais seria como antes. Bandas de rock se multiplicaram mundo afora, todos os garotos queriam ter a sua e aqui em Moc chegamos a 36. O resto veio dali: sexo livre, pílula anticoncepcional, minisaia, Tropicália, Woodstock e outros festivais e o fim da guerra do Vietnan, após um movimento nunca, jamais visto pela paz, que teve em Lennon uma das principais cabeças. Ponto negativo, as drogas, com excessão da maconha, que também é remédio. Já conhecia The Beatles através de jornais e revistas. Brian Epstein, certamente o maior e mais inventivo empresário do show business, trabalhara muitíssimo bem a imagem do quarteto. Assim, quando - espantado - os ouvi naquela loja sem saber quem tocava aquilo, ao ver a capa do compacto simples disse comigo: ´São eles!´ Era o mesmo compacto que Ricardo Milo apresentaria à turma do São José algum tempo depois. O dele era promocional, da loja de eletrodomésticos de seus irmãos, Radioluz, ali na praça Dr. Carlos. Começava com uma propaganda do creme dental Kolynos (outro muito consumido era o Philips, meu preferido, que desapareceu do mercado). Saímos daquela aula de música já amigos, pensando em montar um conjunto como aquele, o que viria dar nos Brucutus. Mas antes de mais nada era preciso aprender a tocar. Roberto Carlos retornou a Moc em 1966, por ocasião da Exposição Agropecuária, férias de julho. Chegou na posição de príncipe, exigindo casa de campo ou uma outra na cidade, desde que recuada, e que tivesse piscina... Veio em avião fretado com todo o conjunto, o RC-7. Ficou na cidade, em casa recuada, com piscina, onde não caiu, a residência do casal Josephina e Hermes de Paula, querido e saudoso médico, historiador, folclorista e seresteiro-mor. Os Brucutus ainda não possuíam aparelhagem própria. Tocávamos nos instrumentos do Les Chèris, conjunto do Automóvel Clube que tocava outras músicas, caretas... Nossos agradecimentos a Vicente Alves, Zé Toco, Toni, Cassaçá, Eronildes e Lúcio, pelo muito que nos ensinaram e corrigiram. Embora tardio, fica aqui o registro. Creio que Roberto apresentou-se no campo do Cassimiro antes do show no AC. Assisti ao último, um negócio! Seu conjunto era excelente, alguns dos melhores músicos do país estavam ali. Quando o príncipe levou Quero que vá tudo pro inferno! o salão explodiu, literalmente. Essa canção foi o seu passaporte para a Majestade. Antes do fim do ano foi consagrado Rei. E até hoje mantém a coroa. Foi de Patão a ideia de o visitarmos. O objetivo da entrevista, nada louvável, seria solicitar ao Rei uma doação para a compra de instrumentos. Relutei, porém, pelo sim, pelo não, acabei indo. Combinamos com nossa amiga Virgínia de Paula, em cuja casa Sua Alteza se hospedava, e no dia seguinte lá chegamos para o café da manhã. Surge o Rei. Miudim... Simpático. Botinas pretas (ele não usa nem toca em nada que seja marrom, não passa debaixo de escada, só sai pela porta por onde entrou e por aí vai...), calça Wrangler e blusa banlon verde de manga comprida. Deu bom dia a todos, sentou-se, sentamo-nos, ele passou os olhos pela farta mesa e perguntou com aquela voz fanhosa: ´Tem claybom?´ Tinha. Desde então Sua Alteza se cuidava... Comeu uma fatia de mamão, tomou uma taça de suco de laranja, café com leite, passou claybom em uma bolacha de sal, cobriu-a com outra, montou seu sandubinha e deu o desjejum por encerrado. Aproximava-se a nossa hora... Da mesa do café passamos à sala de visitas. Deixei o pepino pro Pato. Quase caí de costas quando este pediu, nada mais, nada menos, do que uma guitarra de presente. Corei. Quase vomito o café. O Rei coçou a cabeça, disse que só possuía a sua guitarra Mosrite, chamou um assessor (talvez o seu rodie) e pediu-lhe que trouxesse um encordoamento da mesma marca. Alguém perguntou o que eu tocava na banda, Brucutus. Ganhei dois pares de baquetas americanas com pontas de nylon e uma caixa com duas vassourinhas Ludwig. As vassourinhas, dei-as de presente a Zé Toco, batera do Les Chèris, uma vez que eu não as utilizava em nosso repertório. Ligaram do aeroporto. O avião real sofrera uma pane. Ficamos ali conversando por cerca de uma hora, aí o Rei finalmente partiu. Tivemos um segundo e último encontro, em BH, mas essa é outra história...

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