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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 19 de maio de 2024
 

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Mensagem: O TEMPO QUE NÃO APAGA
José Prates
Foram o passeio de Raquel e a crônica de Virginia, filha do Dr. Hermes, que me fizeram retornar ao passado, vivendo os idos anos cinqüenta quando estava no gozo da juventude e com a cabeça cheia de sonhos. Sonhos que me fizeram lutar para realizar alguns; outros se perderam na imensidão dos obstáculos que não pude superar. De tudo, restam as lembranças armazenadas no recôndito da memória, que afloram quando nos aparecem as Raqueis e as Virginias nos transportando em corpo e alma para o passado. Até pessoas ressurgem na mente, como o Dr. Hermes de Paula que está em minha frente com aqueles olhos azuis e peito largo, de jaleco e estetoscópio no pescoço para dizer-me que a história não terminou! Como me lembro dessa grande e destacada figura montesclarense, cujo centenário será em dezembro deste ano. Conversávamos muito e eu sempre aproveitei essas palestras para enriquecer meus conhecimentos e utilizá-los no jornalismo que acabava de abraçar. Eu o conheci em 1951, quando fazia uma reportagem para a revista A Cigarra, sobre a festa do Divino que tinha como atração, a participação da marujada e dos catopés. Essa reportagem, aliás, não chegou a ser publicada por questões de espaço, como me comunicou a revista que fechou logo depois. Impressionou-me o conhecimento do Dr. Hermes sobre a matéria e a maneira didática como ele conduzia o relato da história, com explicações ricas em detalhes. Versátil, interessado em detalhar fatos, consultava um grosso volume datilografado, que fiquei sabendo ser o seu primeiro livro que estava em andamento. No ano seguinte, eu acho, sua filha, deve ter sido Virginia, foi a Rainha da festa e desfilou com a procissão, cercada de marujos e catopés, sob a vista do pai, feliz e orgulhoso.
Além do jornal recém fundado e instalado num casarão da Rua Dr. Veloso, onde hoje, segundo eu soube, é a Caixa Economica, eu tinha emprego, também, na Central do Brasil. Quando terminava meu trabalho na Estação Ferroviária, onde exercia a função de radiotelegrafista, descia pela Avenida Francisco Sá, passando às vezes pela Igreja de crentes logo no inicio, onde batia um papo rápido com Mr. Alex, Pastor da Igreja, um americano recém chegado ao Brasil. Nesse tempo, arranhava só um pouquinho do inglês, aquele inglês de ginásio, e esperava aprender mais conversando com o “gringo”. Acontecia que o interesse do americano era o português, enquanto o meu era o inglês. Por isso conversávamos auxiliando um ao outro com explicações sobre esta ou aquela palavra e aos poucos íamos formando um vocabulário. Nunca imaginei que um dia, fosse empregar constantemente esse idioma, como fiz nas minhas andanças por esse mundo a fora e que, de fato, foi uma boa escola. Saindo da Igreja, descia a Avenida e na primeira esquina dobrava à esquerda, caminhava dois quarteirões e entrava na Praça do Grupo Gonçalves Chaves que tinha no centro um cruzeiro rodeado de pedras que as mulheres levavam em penitência, quando demorava a chover. Ás vezes entrava no Grupo onde minha sogra, D. Maria, trabalhava. Batia um “papo” rápido, cumprimentava Dona Marucas, a Diretora e ia em frente, descendo aquela rua, de que não me lembro o nome, onde morava o Dr. Ariosto Guarinelo, o Juiz de Direito, pai de Guarinelo jogador do Ateneu e Taís que era noiva do Dr. Geraldo Correa Machado. Quando chegava à Rua Dr. Santos, antes de ir para o jornal, passava na Gráfica David para falar com Laerte e depois no Foto Pinto que ficava mais em baixo, em frente ao jornal. Antes de entrar na redação, ia cumprimentar o Dr. Orestes Barbosa, com escritório ao lado. Na redação, sentada à mesa corrigindo matéria, sempre estava Silvia dos Anjos que, com seus altos conhecimentos de português, muito me ajudou. Na gráfica, a primeira pessoa com quem falava era o Meira, encarregado da composição. Sempre reclamando da falta de matéria que eu tinha de fazer, ali, na hora.
De folga nos dois empregos, aos domingos eu e Afra fazíamos um passeio pequeno que nos lembrava o tempo de namoro e noivado. Era lá nos Morrinhos. Gostoso, tranqüilo, olhando a cidade lá em baixo, sobressaindo as torres da catedral. Íamos a pé. Para ir, cruzávamos os trilhos da estrada de ferro na Melo Viana cheia de vendas, que começava no Tiro de Guerra na Praça da Estação, e subia até os morrinhos. Casais de namorados, ali não faltavam aos domingos. Fora os morrinhos, passeio que eu me lembro, só a Praça de Esportes. Não tínhamos muita opção de lazer. Nos dias de semana, a diversão era a chegada do trem de Belo Horizonte. A estação enchia de moças e rapazes andando pela plataforma, em seus trajes domingueiros. De vez em quando, pra quebrar a rotina, aparecia um circo que era armado, quase sempre, na Praça Cel. Ribeiro. Depois disso, o cinema com os seriados que eram acompanhados com o mesmo interesse que se acompanha, hoje, as novelas da televisão. Eram “Cidade submarina”, “O Batman”, “O Zorro” no cinema; no rádio, ás seis horas, “Jerônimo, herói do Sertão” e às oito horas “O Direito de nascer”. Essa novela radiofônica fazia tanto sucesso que eu me lembro do “seu” Euzébio, dono da pensão em que morei, passava mal com o sofrimento dos personagens. Hoje, nestes dias tumultuados, Montes Claros mudou, mas,naturalmente, não perdeu seu jeito brejeiro de sertaneja, nem a poesia que lhe ficou na alma.
É essa a Montes Claros que está em mim e não quero apagar. Se ainda estiver vivo, em dezembro deste ano irei lá para rever os amigos que ainda existem, como Wanderlino Arruda, Dr. Oswaldo Antunes, Paulo Narciso, Waldyr Senna e, juntos, homenagearmos o Dr. Hermes em seu centenário.

(José Prates é jornalista e Oficial da Marinha Mercante. Como tal percorreu os cinco continentes em 20 anos embarcado. Residiu em Montes Claros de 1945 a 1958 quando foi removido para o Rio de Janeiro onde reside com a familia. É funcionário ativo da Vale do Rio Doce, estando atualmente cedido ao Sindicato dos Oficiais da Marinha Mercante, onde é um dos diretores)

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