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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 11 de maio de 2024
 

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Mensagem: Devaneios em Outubro

Outubro chegou. A tarde cai lenta e quente. O céu, atrás dos prédios, tinge-se de um rosa muito frágil. Depois violeta, depois o rôxo e o perfume distante do manacá no canteirinho do passeio. Contemplo o vai e vem da natureza nas árvores da minha rua, mas que resumem todos os milagres. Voltaram a brotar luzes e cores.
Desligo a televisão. O noticiário não permite outra reação: angústia, ansiedade, medo. A bolsa despencou provocando um Tsuname na economia mundial! Economistas, Presidentes de Bancos Centrais, Ministros da Fazenda, do Tesouro, cada um falando uma língua como numa Torre de Babel.
Chega! Os problemas do mundo são enormes e são do nosso interesse, mas não podemos deixar de cuidar do nosso quintal, de nossas coisas brasileiras, o que move o nosso simples cotidiano.
Para acalmar minha alma neste mundo agreste, veloz e desigual no qual vivemos, abro minha bolsa de doces lembranças – as amargas deixei-as à beira dos caminhos. – esqueço a outra bolsa, a de valores e vou chupar jabuticabas, porque todas as vezes que chupo jabuticabas, sinto renascer a menina dentro de mim. Essa menina tem oito para nove anos. É nesta fase que a percepção de estar no mundo ocorre na criança. Ela se descobre no mundo, toma consciência dele e começa a se questionar.
Naqueles tempos, o mundo parecia bom, feliz e seguro. A menina cresceu, envelheceu, mas não perdeu a esperança. Apesar de estar vivendo num tempo marcado pela pressa, pela falta de silêncio, castigado pela insegurança, pela violência; é esse tempo em que vivemos, esse é o universo sensível da nossa época. Fala sobre o fim das certezas, o individualismo que nos conduz à solidão, o consumismo que nos leva ao vazio e à necessidade de dotarmos a vida de sentido.
Sobre o sofá, o livro do jornalista/escritor Alberto Villas – O mundo acabou – muito interessante e leve me fez lembrar também de situações, usos e costumes da minha infância que também acabaram.
No meu tempo de menina, os velórios aconteciam nas residências. Eu, em companhia da vizinhança, não perdíamos um, principalmente, se fossem de anjinhos. O mistério, a morbidez da morte nos atraia e hipnotizava. Outra motivação para não perder esses velórios era a mesa de bolos, biscoitos, roscas na sala de jantar para os que velavam os mortos passar a noite e era um convite à nossa gulodice e onde discretamente nos fartávamos. À noite batia o medo e ia dormir no quarto dos pais, sob uma saraivada de pitos.
Como o consumo era mínimo, íamos para a escola calçando sapatos “Tanke” com chapinhas que faziam barulho nas pedras do calçamento. Para a missa do domingo e os aniversários, o sapatinho “Shirley” de verniz era o máximo da lindeza; os vestidos eram de organdi suíço, “laise” ou “moiré”. Para as outras atividades, a sandália com solado de borracha (pneu) feita por “seu” Penalva era imbatível. O sapatinho de verniz tipo boneca, chamado Shirley, tinha este nome por causa da maior atriz infantil de todos os tempos: Shirley Temple. Era ela o modelo que nossas mães copiavam. Ela era linda e seus filmes faziam o maior sucesso. Tinha o cabelo cacheado e usava laços de fita e chapéus. Eu, com meu cabelo escorrido, fazia papelote, mas não adiantava, até que, um dia, mamãe deixou-me fazer permanente e foi a glória!
Nas missas usavam-se véus para comungar e boleros de mangas compridas para vestir sobre roupas cavadas. Anáguas de cretone branco engomadas. Às vezes eram tão engomadas que feriam a panturrilha das pernas.
A história ensina que tudo passa, tudo se modifica, mas é tão bom preservar o que se viveu, os usos e costumes que acabaram.
Peço emprestado ao poeta/cronista Afonso Romano Sant’Ana o que ele escreveu: “Como dizia aquele poeta de Itabira, o mundo é grande, tu sabes como o mundo é grande. Se bem que muita razão tinha também outro mineiro, o grande e tímido Cyro dos Anjos – A gente pode rodar o mundo inteiro, mas a verdade está na rua Erê”. E, para mim, a verdade estava na casa nº 68 da rua Presidente Vargas com Afonso Pena.


Esta crônica é dedicada à minha amiga Terezinha Fróes.

Carmen Netto Victória
Outubro/2008

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